Os falsos espíritos que enganaram o criador de Sherlock Holmes. Mistério Resumo.


No início do século 20, o escritor escocês Arthur Conan Doyle, criador do famoso detetive Sherlock Holmes, foi vítima de espetaculares contos do vigário amplamente explorados pela mídia da época.

No texto a seguir, o ilusionista Matthew Tompkins explica o que dois desses casos revelam sobre as chamadas ilusões metacognitivas — fenômenos hoje reconhecidos pela psicologia que influenciam nossa memória e percepção.

No dia 21 de março de 1919, um comitê que incluía um investigador paranormal, uma viscondessa, um homem capaz de ler mentes, um detetive da Scotland Yard, a polícia metropolitana de Londres, e um médico legista se reuniu em um pequeno apartamento no bairro de Bloomsbury, em Londres.

"Passei anos atuando ao lado de falsos médiuns mundo afora para poder refutar o espiritualismo", disse o dono da casa. "Agora, finalmente, encontrei um médium de verdade."

A mulher que entrou na sala usava um véu que cobria a metade inferior de seu rosto. Ela iniciou a sessão com uma demonstração de clarividência.

Cada membro do comitê havia sido instruído a trazer consigo um pequeno objeto pessoal, ou uma carta.

Antes da chegada da médium, todos os objetos haviam sido colocados dentro de uma sacola e esta, por sua vez, havia sido trancada dentro de uma caixa.

A médium manteve a caixa trancada em seu colo e, diante do olhar atento do comitê, começou a descrever, em detalhes, cada objeto.

Ela adivinhou, por exemplo, que havia na caixa um anel que pertencera ao filho, já falecido, do investigador paranormal. E foi capaz inclusive de ler uma inscrição, já desgastada, que o objeto continha.

Em seguida, demonstrou o fenômeno da "materialização" de um espírito.

Os integrantes do comitê amarraram a médium à sua cadeira e diminuíram a iluminação ambiente. A mulher pareceu entrar em uma espécie de transe e uma "névoa luminosa" surgiu na sala, tomando a forma de uma mulher idosa. A forma flutuou pela sala e pareceu atravessar o corpo da médium antes de se evaporar na direção da parede oposta.

Porta para o 'oculto'?

O que aconteceu naquela sala? Teria aquela mulher sido realmente capaz de abrir uma porta que separava as pessoas ali presentes de outro mundo?

O comitê estava dividido e, embora você não esteja familiarizado com a maior parte de seus membros, provavelmente já ouviu falar do investigador paranormal em questão: o escritor Sir Arthur Conan Doyle, autor dos livros de Sherlock Holmes.


Direito de imagem Alamy Image caption Arthur Conan Doyle acreditava que sua própria esposa, Jean, era capaz de canalizar espíritos em sessões
Na ocasião, o escritor, que também era médico, declarou estar muito impressionado com a demonstração de clarividência, mas disse que precisaria ver o fantasma novamente antes de poder ter certeza da paranormalidade da médium.

Conhecido hoje por suas histórias de detetive, ele era também um ilustre investigador paranormal que, com frequência, se deixava enganar pelas mais absurdas farsas.

Acreditou, por exemplo, ser verídica uma montagem fotográfica de fadas em um jardim — as chamadas Cottingley Fairies, ou Fadas de Cottingley — feita por duas crianças, Frances Griffiths e Elsie Wright. Em parte graças ao aval de pessoas como Doyle, a fotografia chegou aos jornais e ficou conhecida em toda a Inglaterra.

Algum tempo após o encontro do comitê no apartamento em Bloomsbury, a médium do rosto coberto foi desmascarada. No entanto, como mágico e psicólogo experimental, acredito que este é um entre dois episódios que podem nos ajudar a entender a aparente credulidade de Conan Doyle e também algumas fascinantes ilusões cognitivas que podem, às vezes, afetar todos nós.

Mágicos Profissionais x Charlatões

Nos dois casos, houve o envolvimento de mágicos profissionais que viam a si próprios como "enganadores honestos", criadores de ilusões como forma de entretenimento. Seu público, esperava-se, tinha plena consciência de estar testemunhando truques cuidadosamente construídos.

Muitos mágicos, inclusive um amigo de Conan Doyle chamado Harry Houdini, eram radicalmente céticos em relação à paranormalidade. Alguns, inclusive, expunham médiuns enganadores. Faziam isso para prestar um serviço ao público e também como forma de autopromoção.

O caso que descrevo agora teve a participação de um mágico chamado William Marriott. Fora dos palcos, onde atuava sob o pseudônimo de Dr. Wilmar, Marriott trabalhava incansavelmente para expor os métodos fraudulentos utilizados por médiuns.

Ele investigou vários supostos "fenômenos paranormais", como aparições, leitura de pensamento e textos escritos por espíritos.

Mas Marriott tinha particular interesse em fotografias de espíritos — imagens de espíritos de pessoas mortas que, segundo alguns, podiam ser capturadas em filme fotográfico.

Seu objetivo era demonstrar que muitas dessas fotografias, tidas como genuínas, poderiam ser falsificações.

Espiritualistas como Conan Doyle reconheciam que fotos podiam ser falsificadas, mas achavam que, se fosse possível controlar o processo de feitura e revelação da foto, as chances de que fosse falsificada poderiam ser cientificamente descartadas.

O argumento era similar a uma das máximas de Sherlock Holmes: "Depois de eliminado tudo o que é impossível, o que restar, por mais impossível que pareça, deve ser verdade" (em tradução livre).

Primeiro caso: A sessão de fotografia

No dia 5 de dezembro de 1921, Marriott decidiu provar que eliminar o impossível era muito mais difícil do que Conan Doyle imaginava. Seu plano era convidar Conan Doyle e três outras testemunhas para observá-lo enquanto ele tirava e depois revelava fotografias do famoso escritor.

O comitê examinou cuidadosamente a câmera e depois ficou observando o trabalho de Marriott.

As testemunhas, entre elas um especialista em fotografia, confirmaram que haviam observado os movimentos do mágico e que não tinham visto qualquer indício de que ele teria feito outra coisa senão revelar as fotos.

Ainda assim, quando as fotos foram apresentadas aos observadores, notou-se que havia, na primeira delas, uma figura translúcida, de aspecto fantasmagórico. A segunda continha uma imagem de fadas dançantes em formação circular. Essas imagens não tinham sido vistas na sala no momento em que a foto fora feita.

Uma foto de Arthur Conan Doyle com um "espírito", tirada pela médium Ada Deane
A inclusão das fadas foi provavelmente uma provocação a Conan Doyle, por conta de seu aval anterior à foto das Fadas de Cottingley.

Após o experimento de Marriott, o jornal Sunday Express publicou ambas as fotos, com destaque para o "fantasma intruso" e as "fadas favoritas" de Conan Doyle.

O jornal também publicou declarações de Marriott e das testemunhas. Marriott disse que tinha usado técnicas de ilusionismo para manipular o processo.

Conan Doyle levou tudo na esportiva e guardou a foto com as fadas como lembrança. "O sr. Marriott provou claramente que um mágico profissional pode, sob o escrutínio de três pessoas muito atentas, colocar uma impressão falsa em uma foto. Temos de reconhecer isso."

No entanto, o escritor acrescentou que sua crença em fotografias de espíritos permanecia inabalada.

E em típico estilo Sherlock Holmes, pediu aos leitores que considerassem as mãos de Marriott. "Um ilusionista", ele argumentou, "tem certos atributos físicos" como "dedos longos, nervosos e artísticos". Já os médiuns que Conan Doyle acreditava ser capazes de produzir fotografias reais de espíritos tinham mãos com dedos "curtos, grossos e manchados pelo trabalho".

Segundo caso: A médium mascarada

O caso da médium mascarada é um exemplo ainda mais dramático da determinação de Conan Doyle em crer. Em vez de observar imagens em filmes fotográficos, esse cenário envolvia uma demonstração ao vivo, organizada por dois artistas.

Naquela noite, o anfitrião era na verdade o mágico Percy Thomas Tibbles, que se apresentava como P.T. Selbit. A médium era a aspirante a ilusionista Molly Wynter, que havia se especializado em representar médiuns.

Wynter foi apresentada ao comitê como uma médium genuína. Selbit se fez passar por empresário da médium. À medida que Wynter identificava os objetos na caixa trancada, e o espírito "se materializava" em frente à audiência, não havia qualquer indício de que os convidados estariam assistindo a um elaborado truque de ilusionismo.

A dupla só esclareceu seus métodos após o evento.

Para a demonstração de clarividência, o véu de Wynter tinha ocultado não apenas a sua face, mas também um rádio sem fio por meio do qual ela podia receber informações.

Os convidados também não sabiam que a caixa sobre o colo da médium era, na verdade, uma imitação. A original, com os objetos trazidos pelo comitê, tinha sido levada, sem que os convidados percebessem, para uma sala adjacente. De lá, um assistente descrevia, pelo rádio, cada objeto.

O fenômeno de "materialização", por sua vez, foi realizado não por meio de "ectoplasma" (segundo o espiritualismo, substância perceptível à visão que é capaz de ocasionar a materialização do espírito), mas por outro assistente secreto: um acrobata vestido inteiramente de preto que escalou as paredes do prédio e entrou na sala pela janela após o comitê ter feito sua busca na sala.

De acordo com o mágico, o "fantasma" era um pedaço de gaze pintado com tinta fosforescente que o acrobata removia de seu bolso e abanava pela sala.

Para reforçar seu ponto, os ilusionistas repetiram sua demonstração na frente de um comitê ainda maior. E é aqui que a reação de Conan Doyle se torna ainda mais interessante.

Ele insistiu em afirmar que o que tinha visto na primeira sessão não era o que os mágicos tinham descrito posteriormente. E ainda acrescentou que, mesmo que a segunda demonstração tivesse sido feita por meio de um truque, "não havia nada que provasse que a primeira sessão não tinha sido genuína".

Talvez os mágicos fossem médiuns de verdade, ele disse. Talvez estivessem simplesmente mentindo a respeito de seus poderes paranormais.

Ele criticou a cobertura sobre o episódio na imprensa. "O tempo vai provar a nossa causa", escreveu.

"O tempo também vai provar aos que nos depreciam que estão brincando com fogo. Não estão julgando o Oculto. O Oculto os está julgando."

Pensando sobre o pensar

Tempos depois, durante uma entrevista para a TV, Conan Doyle tentou explicar seu jeito de pensar.

"Quando falo nesse assunto, não estou falando sobre o que acredito. Não estou falando sobre o que penso. Estou falando sobre o que eu sei. Há uma diferença enorme entre acreditar em uma coisa e saber uma coisa, falar sobre coisas que toquei, que ouvi com meus ouvidos."

"E aliás, sempre na presença de testemunhas. Nunca corro o risco de sofrer alucinações. Na maioria dos meus experimentos, tive seis, oito ou dez testemunhas, e todas viram e ouviram as mesmas coisas que eu", disse.

Uma foto das "Fadas de Cottingley" que enganaram Arthur Conan Doyle
Com base nessa argumentação, é fácil colocarmos em questão as credenciais de Conan Doyle no campo das investigações científicas, mas acho que ele foi, verdadeiramente, um homem brilhante.

Além de seus feitos literários, Doyle também trabalhou, na vida real, como advogado, usando técnicas "sherloquianas" para libertar vários prisioneiros condenados erroneamente.

As reações de Conan Doyle a essas charlatanices são problemáticas, mas também são um exemplo de um fenômeno psicológico conhecido como "ilusão metacognitiva".

Memória: reconstrução ou composição?

"Metacognição" é pensar sobre o pensar. Ilusões metacognitivas ocorrem quando as pessoas têm opiniões equivocadas sobre seus próprios sistemas cognitivos. É natural que nos julguemos conhecedores da nossa percepção e memória. Afinal, percebemos e nos lembramos de coisas corretamente na maior parte do tempo.

No entanto, em muitos casos, nossas intuições a respeito de nossos próprios sistemas cognitivos podem ser pouco confiáveis — não somos tão bons observadores quanto pensamos ser, e nossas memórias podem ser surpreendentemente maleáveis.

Pesquisas revelam que mais de metade do público concorda com a seguinte afirmação: "A memória funciona como uma câmera de vídeo, gravando com precisão os eventos que vemos e ouvimos, para que possamos revê-los e analisá-los mais tarde".

Isso é, provavelmente, uma ilusão metacognitiva. Segundo as teorias mais recentes, a memória humana seria na verdade um conjunto de processos de reconstrução — em vez de reprodução. Isso quer dizer que lembrar um acontecimento é muito menos o ato de "tocarmos de novo" uma gravação mental e, sim, um processo de composição de uma história.

A psicóloga Elizabeth Loftus, por exemplo, demonstrou que, no processo de relembrar um evento, pessoas podem, erroneamente, integrar elementos imaginários em suas lembranças. Essas pessoas, no entanto, têm a sensação nítida de que as memórias fictícias são verdadeiras, e podem até ser persuadidas a acreditar que cometeram um crime.

'Cegueira à Mudança'

Outro intrigante tipo de ilusão metacognitiva que pode ter afetado Conan Doyle é o fenômeno conhecido como change blindness (cegueira à mudança, em tradução livre). Antes de explicar esse conceito, precisamos examinar o fenômeno no qual está baseado, conhecido como "paradigma de flicker".

O termo descreve situações nas quais observadores de uma dada cena deixam de perceber alterações (muitas vezes dramáticas) nesse cenário. Esse efeito pode ser demonstrado por um procedimento em que dois cenários visuais com algumas diferenças entre si se alternam rapidamente diante do observador.

Detectar alterações em uma situação como essa é algo tão difícil de fazer, e tão surpreendente, que quando, em meados de 1990, uma equipe de psicólogos liderada por Ronald Rensink tentou publicar pesquisas pioneiras sobre esse assunto, seus resultados foram considerados impossíveis e rejeitados por outros cientistas.

Ou seja, o fato de que pessoas possam ser incapazes de perceber uma mudança em uma cena é tão contrário ao senso comum que mesmo cientistas visuais duvidaram da veracidade do fenômeno.

Hoje, cegueira à mudança é um conceito estabelecido na psicologia cognitiva. Cientistas introduziram, inclusive, o termo "cegueira à cegueira à mudança" para se referirem ao fato de que as pessoas tendem a desconhecer que estão sujeitas à cegueira à mudança.

Mágicos como Marriott, Tibbles e Wynter, porém, já exploravam ilusões metacognitivas em seus truques muito antes de que psicólogos estudassem formalmente fenômenos como esses.

Hoje, há grande interesse no uso desses truques em experimentos psicológicos para ilustrar fenômenos desse tipo.

Um estudo recente liderado por Jeniffer Ortega, da Universidade Nacional da Colômbia, em Bogotá, explorou especificamente o papel da metacognição em truques de mágica.

Utilizando uma série de truques simples com moedas e jogos de cartas, a equipe demonstrou que a audiência repetidas vezes superestimava sua habilidade de detectar os métodos ocultos por trás dos truques de ilusionismo.

As pessoas às vezes interpretam esses resultados como provas de que sua percepção e memória são falhas, não funcionam.

A percepção e a memória humanas são, no entanto, o resultado de um sistema cognitivo extremamente efetivo que lida, diariamente, com informações complexas e confusas.

É possível apreciarmos a complexidade da memória e percepção humanas e, ao mesmo tempo, percebermos os limites e excentricidades desse sistema. Da mesma forma, você pode admirar os livros de Conan Doyle, mesmo que não se impressione muito com o esoterismo do escritor.

A realidade é, com frequência, muito mais estranha do que pensamos.













Com a Informação BBC.

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